Sua majestade, a Válvula !
Meu fascínio com as válvulas começou ainda na infância. Cheguei a pegar o tempo em que as TVs eram valvuladas. Ficava fascinado quando a TV quebrava e o técnico chegava para consertar, abrindo aquele aparelho misterioso e fazendo medidas com o multímetro. Que conhecimento fabuloso aquele homem deveria ter, eu pensava ! E no final, eram sempre as válvulas as culpadas pelo defeito, bastava trocá-las e tudo voltava à normalidade, elas podiam tudo... E, é claro, eu sempre pedia para ficar com as válvulas substituídas para minha coleção !
Haviam também as chamadas "radiolas", um móvel de madeira em que a parte debaixo acomodava os falantes e em cima ficava um radio/amplificador valvulado que pegava estações do mundo inteiro e o toca discos. A qualidade do som era fantasticamente boa, infinitamente melhor do que esses 3 em 1 modernos, você sentia os graves retumbar dentro do peito, esse foi o meu primeiro contato com a "porrada" do som das válvulas. Infelizmente, essas ótimas radiolas costumavam ser impiedosamente atacadas pelos cupins !!!
As origens
Mas o que podemos aprender com todo esse saudosismo ?! Simples, as válvulas chegaram primeiro e quem chega primeiro ocupa o lugar ! É fato, a guitarra elétrica começou a marcar a história da música a partir da década de 50, então todas as nossas referências sonoras que recebemos de forma direta ou indireta desse instrumento foram moldadas pelos estilos musicais que se desenvolveram nos EUA a partir dessa época. O Blues, o Jazz, o rhythm & blues , a Soul Music, o Country e o Rockabilly eram estilos musicais que usavam a guitarra elétrica e nós recebemos essas influências, indiretamente, através do Rock. E todos esses sons maravilhosos de guitarra foram gravados com amplificadores valvulados !
Next Generation
A partir do final da década de 50, os dispositivos de estado sólido ("solid state"), que incluem os transistores e diodos semicondutores chegaram para revolucionar a eletrônica e o mundo. Mas nessa altura, as referências sonoras da guitarra elétrica já estavam formadas. Isso quer o dizer o seguinte, a imensa maioria dos guitarristas vai sempre concordar que o som do amplificadores valvulados é melhor e vai querer esse som na sua música.
Como a maior parte os equipamentos eletrônicos foram sendo migrados da tecnologia valvulada para o solid state, os amplificadores de instrumentos musicais não foram exceção. Porém, essa migração foi projetada para tentar reproduzir da forma mais fiel possível o som das válvulas.
E é que começam nossos problemas, não é fácil reproduzir o som das válvulas, principalmente por causa, digamos, das "imperfeições" delas e outros detalhes. Mas para entender isso, vamos precisar entender um pouco como funciona um amplificador de guitarra.
Diagrama em blocos de um Amplificador de Guitarra
De uma maneira bem simplificada, um amplificador de guitarra tem os seguintes módulos:
Não necessariamente um amplificador vai ter todo esses blocos mas é importante compreender as funções de cada um:
- O Pré-Amplificador corresponde ao primeiro estágio de amplificação do pequeno sinal elétrico gerado pelos captadores das guitarras. Esse pequeno sinal, da ordem de milivolts é amplificado pelo Preamp até um nível onde o sinal possa ser "trabalhado" em suas características para chegar a uma modelagem de timbre desejada.
- O Power (amplificador de potência) vai pegar o sinal gerado pelo Preamp, modelado pelos circuito de tonalidade e efeitos e vai amplificá-lo até o nível onde exista potência suficiente para excitar o auto-falante nos volumes desejados.
- O Transformador de Saída (Trafo) existe pela necessidade de fazer um "casamento" entre a alta impedância de saída do Power valvulado e a baixa impedância do Auto-Falante. Apesar de ser um elemento passivo, ele é muito importante para o timbre final do amplificador. Amplificadores transistorizados não precisam de trafos, já que a impedância de saída dos transistores é baixa e pode ser casada com os falantes através de outros componentes. Isso vai baratear o custo do amplificador transistorizado mas é uma das razões pelas quais existe diferença sonora entre amplificadores valvulados e transistorizados.
- O Alto-Falante (ou Auto-Falante, também não é errado !) transforma o sinal elétrico em ondas sonoras.
- O Loop de Efeitos é um circuito especial que permite que se introduza uma cadeia de efeitos externa (pedais) de uma maneira melhor do que simplesmente ligá-los entre a guitarra e o amplificador. Amplificadores mais baratos não costumam ter loop de efeitos ou se têm, usam circuitos bem simples. São muito úteis para quem gosta de pedaleira.
- O Reverb é um recurso que se incorporou nos amplificadores valvulados e acabou se tornando uma referência sonora clássica. Ele dá aquela "ambiência", aquele som de "eco" curto que ouvimos quando falamos em uma igreja ou uma sala grande vazia. Existem reverbs construídos a partir de uma peça mecânica (uma mola esticada, com transdutores elétricos nas extremidades), os chamados "tanques de reverb" e existem também os reverbs gerados puramente por circuitos eletrônicos.
- Os Efeitos Sonoros em um amplificador de guitarra tradicional se resumem no Reverb e nos controles de "drive" (distorção, saturação, ganho). No entanto, amplificadores mais modernos ou sofisticados costumam oferecer também outros recursos de efeitos sonoros, como o "Chorus" e o "Delay"."
- A Fonte de Alimentação tem o papel de converter a corrente alternada existente na tomada elétrica para a corrente contínua que os componentes eletrônicos precisam para trabalhar. Este processo é conhecido como "retificação". No entanto, ela também é importante para o timbre final do amplificador, como veremos adiante.
A questão Válvula x Transistor !
Muito bem, já sabemos que as válvulas vieram primeiro e já compreendemos os módulos básicos de um amplificador de guitarras. Vamos estudar agora uma coisa muito importante para entender a diferença entre essas duas tecnologias e quais as implicações no som que vamos obter.
Um amplificador de áudio ideal seria aquele que amplificaria o sinal de entrada de maneira perfeita, ou seja, o sinal seria reproduzido sem nenhuma distorção ou alteração em seu timbre original.
Entendido isso ?!
Pois bem, esse amplificador de áudio ideal nunca existiu e nos primórdios da amplificação eletrônica, os amplificadores eram baseados em válvulas que eram bastante "imperfeitas" e alteravam sobremaneira o sinal original.
O problema é o nosso ouvido aprendeu a amar essas imperfeições, já que as nossas referências sonoras foram gravadas com amplificadores valvulados !
Então aquilo que deveria ser um grande problema (a distorção e a compressão do sinal sonoro) se tornou o grande objetivo da maioria dos amplificadores de guitarra !
Nesse ponto, vamos ver de onde se origina a distorção do som (e também a compressão do sinal, já que uma coisa é consequência da outra) em um amplificador valvulado:
- Válvulas: quando amplificam o sinal as válvulas produzem uma espécie de "achatamento" nos vales e picos das ondas sonoras, isso acontece tanto no Pré-Amplificador quanto no Power. Dependendo do circuito usado, pode até mesmo acontecer o chamado "ceifamento" da onda. Isso resulta em um sinal sonoro mais ricos em harmônicos, como mostra o Teorema de Fourrier.
- Transformador de Saída: devido aos efeitos dos materiais eletromagnéticos, o transformador de saída também introduz distorções no sinal de potência que vai ser direcionado para o Alto-Falante.
- Alto-Falante: não existe Alto-Falante perfeito, todo Alto-Falante distorce o som, não bastasse isso, os Engenheiros Eletrônicos, para satisfazer o gosto dos músicos por distorção, ainda projetam Alto-Falantes que distorcem ainda mais, ou ainda, projetos onde os Alto-Falantes trabalham "forçados", recebendo um sinal maior do que aquele que deveriam suportar !
- Fonte: as fontes valvuladas são um tanto ineficientes na sua capacidade fornecer a corrente contínua necessária ao funcionamento do amplificador. No entanto, essa "ineficiência" também é benvinda para efeitos de gerar distorção.
Olhem só, estamos vendo até aqui que a distorção em um amplificador valvulado se origina do Pré, do Power, do Trafo, da Fonte e do Alto-Falante ! Então, será que adianta você comprar um amplificador que tenha apenas o pré valvulado, ou ainda uma pedaleira que venha com uma válvula para "esquentar o som" para conseguir o "som do valvulado" ??? ! Pouco provável, né ? E agora você sabe o por quê !
(Paro aqui, vou publicar a segunda parte do artigo só na semana que vem para que ele não fique grande demais, certo ? Até lá e abraços !)
Realmente, parece que cupins não gostam de música!
ResponderExcluirTenho um amigo que encomendou a restauração de uma radiola, que foi feita por etapas. Queria deixar o mais fiel possível ao modelo original, mas com algumas mudanças pra aumentar a durabilidade. Ele pediu pra um marceneiro refazer o gabinete em madeira maciça, acho que o peso daquele troço chega a toneladas. Depois de 20 anos parada, não é que ela voltou a falar e muito bem!
Realmente era bem bacana ouvir as transmissões das rádios internacionais em ondas curtas; hoje em dia tem uns radinhos minusculos, bem "digitalizados" e que custam os olhos da cara. Ainda pretendo comprar um desses algum dia.
A postagem foi muito didática, parabéns.
Sebastião Viana.
Pois é, as radiolas tinham até o famoso "olho mágico" (que também era uma valvula !) para acertar a sintonia perfeita ! Isso é que é tecnologia, kkk!
ExcluirCara vc acha q vale a pena ir pro paraguaí e pear uma pedaleira ZOOM G2.1nu por um 450 R$? ou tem melhores
ResponderExcluirTem melhores mas a G2 também é um bom equipamento. Acho que vc consegue até mais barato por lá. Alternativamente, teste a Boss Me 25 e a Digitech RP 255 e veja qual gosta mais.
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